Este é um
filme lançado recentemente pela MGM e Columbia Pictures, mas com a direção de
um brasileiro, José Padilha. O assisti com parte de minha família numa destas
noites num cinema em Guarulhos. Chamou-se a atenção as abordagens do filme,
coisas que somente hoje fazem parte de minha consciência crítica. Descrevo
abaixo a sinopse do filme que é encontrada em qualquer lugar da internet que se
ocupe de entretenimento e cinema:
“Em um futuro
não muito distante, no ano de 2028, drones não tripulados e robôs são usados
para garantir a segurança mundo afora, mas o combate ao crime nos Estados
Unidos não pode ser realizado por eles e a empresa OmniCorp, criadora das
máquinas, quer reverter esse cenário. Uma das razões para a proibição seria uma
lei apoiada pela maioria dos americanos. Querendo conquistar a população, o
dono da companhia Raymond Sellars (Michael Keaton) decide criar um robô que
tenha consciência humana e a oportunidade aparece quando o policial Alex Murphy
(Joel Kinnaman) sofre um atentado, deixando-o entre a vida e a morte.”
Vi seu
primeiro lançamento na década de 80, portanto no período de minha adolescência
e ao final da ditadura militar no Brasil, mas confesso que os temas aos quais
se referia à época o filme e a própria ditadura não foram tão significativos
para mim, pois além de habitar longe dos grandes centros brasileiros, em minha
mente eu não via claramente os temas e os eventos como realidades para mim.
Não sei até
que ponto o diretor José Padilha tinha em mente os temas que percebi como sendo
o enredo, a trama e a engrenagem por meio dos quais se desenvolve o filme. Não
posso aferir o quanto de consciência crítica e social o diretor possui, mas se
ele teve controle sobre o roteiro, fica patente o tamanho de sua crítica
inserida no contexto. Abordo esses temas de forma sucinta e superficial, porque
não sou especialista em filmes, em roteiros ou crítico de cinema.
O poder da mídia
É a primeira
coisa que aparece na primeira cena: o apresentador Pat Novac – interpretado
pelo inconfundível Samuel L. Jacson – em um programa que parece ser o principal
de uma rede de TV de um canal catalisador e fomentador de tendências aos
telespectadores americanos, fazendo uma apologia à necessidade de se ter em
solo americano a presença das máquinas de defesa da OmniCorp com a finalidade
de trazer mais segurança e evitar que vidas de homens sejam perdidas no combate
ao crime.
Por todo o
filme pode ser vista a presença do apresentador, ora defendendo o magnata da
corporação e, portanto, a possibilidade de suas máquinas estarem na ativa nos
EUA, ora tentando influenciar a opinião pública contra a lei federal que impede
que isso aconteça. É muito clara a ideia por trás do filme que a mídia de fato
é o “quarto poder”, e este “poder” tem em suas mãos a capacidade de influenciar
a sociedade, a cultura, a agenda popular e a política.
O poder do dinheiro
Não me atrevo
a discorrer sobre o capital, o capitalismo ou sobre os sistemas de produção e
seus resultados, pois acredito que já exista muita coisa boa escrita, muitas
teses e livros sobre o assunto, mesmo que ainda não tenha sido esgotado como um
todo, mas ouso me referir ao motivo concreto e real que está por trás do
capitalismo: o dinheiro. Em nosso sistema financeiro atual o dinheiro é o que
faz “a roda girar”, é o dinheiro que faz toda a diferença entre os que têm e os
que não possuem, é ele quem cria uma sociedade hiperconsumista.
O dinheiro
está orientando as estratégias, o marketing, as negociações com o Estado e com
as cidades. Um dinheiro que ninguém vê é quem cria, alimenta e faz crescer as
grandes corporações como a do filme. O poder tem quem controla o dinheiro. E em
última instância, quem está por trás das grandes corporações, das empresas
globais, portanto, quem controla o fluxo monetário de grandes somas é uma
pessoa ou um grupo. E em Robocop é isto que vemos: um homem com uma enorme
empresa multinacional tentando manipular o destino de pessoas e de cidades, de
políticas e de nações, e tudo isso é possível com dinheiro.
O poder da política
A politica
aparece no filme na perspectiva do Senado americano. Eles são responsáveis por
criar as leis que deveriam beneficiar, em tese, a população em geral. São esses
senadores que deveriam pensar e responder à sociedade que lhes concedeu o
privilégio de representá-la, como criar e legislar para uma comunidade mais
justa, mais segura e mais igualitária nos direitos. Porém, como que num jargão
cotidiano vemos os políticos envolvidos no jogo de interesse das empresas
globais como a OmniCorp do filme, fazendo com que, até mesmo, leis importantes
sejam mudadas para beneficiar essas mesmas corporações, e isso por causa do
suborno e da propina (o que o filme deixa claro) que receberam.
Não é preciso
ir ao cinema para ver essa mesma dinâmica de suborno e propina que se relaciona
diretamente com políticos e leis no Brasil e em qualquer lugar do mundo. É
fator determinante, infelizmente para nós, que a corrupção esteja instalada
subcutaneamente na política e seja fomentada pelas empresas e empresários sem
caráter e sem ética em qualquer canto do mundo onde os interesses corporativos
e o dinheiro falem mais alto. A “política” praticada a muito deixou de ser a
gestão das coisas referentes à polis e tornou-se a manifestação dos desejos de determinados
partidos, pessoas ou grupos.
Encerrando
No filme vemos
as famílias, a sociedade e até as nações completamente indefesas e debaixo das
fortes mãos pressionadoras da mídia, da política e do dinheiro das corporações.
Todos estão sendo manipulados e vigiados constantemente pelos sistemas criados
para a sua “segurança”. Não há espaço para a fé, não há espaço para a família
se relacionar, somente com a permissão dos controladores, não há mais nada a se
ver na TV, apenas a programação controlada pela mídia, não há espaços para as
individualidades, somente para o coletivo artificialmente planejado, e não há
lojas e pequenos comércios, mas grandes prédios-caixotes em que trabalham
número expressivo de pessoas.
A frase final
do personagem de Samuel L. Jacson tem duplo sentido. Um para os americanos e
outro para todos “os outros”. Ele diz (ao menos na dublagem brasileira): “A
América sempre foi e sempre será o maior país da face da Terra!” Isso é bem
cômico por ser trágico. Aos americanos, a sua estima é elevada e seu moral é
posto nas nuvens por causa da insistência decrépita de alguns que ainda
consideram que eles têm um papel fundamental no planeta acima de outros. Aos
“outros”, a frase suscita ira e rejeição a um país, sim, grandioso e de imensas
conquistas políticas, democráticas, educacionais, tecnológicas e sociais, mas
que tem contra si décadas de ingerência negativa e equivocada no plano
internacional que lhe renderam o título de “imperialista”.
Mais uma vez
declaro que não tenho ideia do quanto o diretor José Padilha possuiu de
influência no roteiro e nas frases do filme e tampouco do tamanho de sua
consciência política e social, mas para alguém que conseguiu, em solo
americano, rodar um trabalho que custou à MGM e à Columbia cerca de U$ 100.000.000,00
(cem milhões de dólares), seu sucesso vai além de um remake (palavra inglesa para refilmagem), nos dá a oportunidade de
refletir o sistema capitalista, político e midiático um pouco mais e saber que,
este tipo de futuro profetizado, pode se tornar bem real da maneira como as
coisas caminham por aqui.
Carlos Carvalho
18 de março de 2014
Referências:
BOBBIO, NOBERTO, 1909-. Dicionário de política I Norberto
Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino; trad. Carmen C, Varriale et
ai.; coord. trad. João Ferreira; rev.geral João Ferreira e Luis Guerreiro Pinto
Cacais. - Brasília : Editora Universidade de Brasília, 1998. Vol. 1. p.
954ss.(PDF)
LIPOVETSKY, Gilles, 1944-. A felicidade paradoxal: ensaio sobre a
sociedade de hiperconsumo / Gilles Lipovetsky; tradução Maria Lucia
Machado. – São Paulo: Companhia das Letras, 2007. Cap. 5, p. 98ss. (PDF)
RIZZOTTO, Carla Candida. Constituição histórica do poder na mídia no
Brasil: o surgimento do quarto poder. Rev. Estud. Comun., Curitiba, v. 13,
n. 31, p. 111-120, maio/ago. 2012. (PDF)
ROBOCOP 2014. Direção de José Padilha, produção de Marc Abraham e
Eric Newman, Roteiro de Joshua Zetumer. Ação, ficção científica e suspense.
Música de Pedro Bromfman. Distribuição: Metro-Goldwyn-Mayer / Columbia Pictures
Imagem: http://www.fandango.com/robocop2014_153658/movietimes.