19 de mar. de 2014

Robocop à moda de um brasileiro

Este é um filme lançado recentemente pela MGM e Columbia Pictures, mas com a direção de um brasileiro, José Padilha. O assisti com parte de minha família numa destas noites num cinema em Guarulhos. Chamou-se a atenção as abordagens do filme, coisas que somente hoje fazem parte de minha consciência crítica. Descrevo abaixo a sinopse do filme que é encontrada em qualquer lugar da internet que se ocupe de entretenimento e cinema:

“Em um futuro não muito distante, no ano de 2028, drones não tripulados e robôs são usados para garantir a segurança mundo afora, mas o combate ao crime nos Estados Unidos não pode ser realizado por eles e a empresa OmniCorp, criadora das máquinas, quer reverter esse cenário. Uma das razões para a proibição seria uma lei apoiada pela maioria dos americanos. Querendo conquistar a população, o dono da companhia Raymond Sellars (Michael Keaton) decide criar um robô que tenha consciência humana e a oportunidade aparece quando o policial Alex Murphy (Joel Kinnaman) sofre um atentado, deixando-o entre a vida e a morte.”

Vi seu primeiro lançamento na década de 80, portanto no período de minha adolescência e ao final da ditadura militar no Brasil, mas confesso que os temas aos quais se referia à época o filme e a própria ditadura não foram tão significativos para mim, pois além de habitar longe dos grandes centros brasileiros, em minha mente eu não via claramente os temas e os eventos como realidades para mim.

Não sei até que ponto o diretor José Padilha tinha em mente os temas que percebi como sendo o enredo, a trama e a engrenagem por meio dos quais se desenvolve o filme. Não posso aferir o quanto de consciência crítica e social o diretor possui, mas se ele teve controle sobre o roteiro, fica patente o tamanho de sua crítica inserida no contexto. Abordo esses temas de forma sucinta e superficial, porque não sou especialista em filmes, em roteiros ou crítico de cinema.

O poder da mídia

É a primeira coisa que aparece na primeira cena: o apresentador Pat Novac – interpretado pelo inconfundível Samuel L. Jacson – em um programa que parece ser o principal de uma rede de TV de um canal catalisador e fomentador de tendências aos telespectadores americanos, fazendo uma apologia à necessidade de se ter em solo americano a presença das máquinas de defesa da OmniCorp com a finalidade de trazer mais segurança e evitar que vidas de homens sejam perdidas no combate ao crime.

Por todo o filme pode ser vista a presença do apresentador, ora defendendo o magnata da corporação e, portanto, a possibilidade de suas máquinas estarem na ativa nos EUA, ora tentando influenciar a opinião pública contra a lei federal que impede que isso aconteça. É muito clara a ideia por trás do filme que a mídia de fato é o “quarto poder”, e este “poder” tem em suas mãos a capacidade de influenciar a sociedade, a cultura, a agenda popular e a política.

O poder do dinheiro

Não me atrevo a discorrer sobre o capital, o capitalismo ou sobre os sistemas de produção e seus resultados, pois acredito que já exista muita coisa boa escrita, muitas teses e livros sobre o assunto, mesmo que ainda não tenha sido esgotado como um todo, mas ouso me referir ao motivo concreto e real que está por trás do capitalismo: o dinheiro. Em nosso sistema financeiro atual o dinheiro é o que faz “a roda girar”, é o dinheiro que faz toda a diferença entre os que têm e os que não possuem, é ele quem cria uma sociedade hiperconsumista.

O dinheiro está orientando as estratégias, o marketing, as negociações com o Estado e com as cidades. Um dinheiro que ninguém vê é quem cria, alimenta e faz crescer as grandes corporações como a do filme. O poder tem quem controla o dinheiro. E em última instância, quem está por trás das grandes corporações, das empresas globais, portanto, quem controla o fluxo monetário de grandes somas é uma pessoa ou um grupo. E em Robocop é isto que vemos: um homem com uma enorme empresa multinacional tentando manipular o destino de pessoas e de cidades, de políticas e de nações, e tudo isso é possível com dinheiro.

O poder da política

A politica aparece no filme na perspectiva do Senado americano. Eles são responsáveis por criar as leis que deveriam beneficiar, em tese, a população em geral. São esses senadores que deveriam pensar e responder à sociedade que lhes concedeu o privilégio de representá-la, como criar e legislar para uma comunidade mais justa, mais segura e mais igualitária nos direitos. Porém, como que num jargão cotidiano vemos os políticos envolvidos no jogo de interesse das empresas globais como a OmniCorp do filme, fazendo com que, até mesmo, leis importantes sejam mudadas para beneficiar essas mesmas corporações, e isso por causa do suborno e da propina (o que o filme deixa claro) que receberam.

Não é preciso ir ao cinema para ver essa mesma dinâmica de suborno e propina que se relaciona diretamente com políticos e leis no Brasil e em qualquer lugar do mundo. É fator determinante, infelizmente para nós, que a corrupção esteja instalada subcutaneamente na política e seja fomentada pelas empresas e empresários sem caráter e sem ética em qualquer canto do mundo onde os interesses corporativos e o dinheiro falem mais alto. A “política” praticada a muito deixou de ser a gestão das coisas referentes à polis  e tornou-se a manifestação dos desejos de determinados partidos, pessoas ou grupos.

Encerrando

No filme vemos as famílias, a sociedade e até as nações completamente indefesas e debaixo das fortes mãos pressionadoras da mídia, da política e do dinheiro das corporações. Todos estão sendo manipulados e vigiados constantemente pelos sistemas criados para a sua “segurança”. Não há espaço para a fé, não há espaço para a família se relacionar, somente com a permissão dos controladores, não há mais nada a se ver na TV, apenas a programação controlada pela mídia, não há espaços para as individualidades, somente para o coletivo artificialmente planejado, e não há lojas e pequenos comércios, mas grandes prédios-caixotes em que trabalham número expressivo de pessoas.

A frase final do personagem de Samuel L. Jacson tem duplo sentido. Um para os americanos e outro para todos “os outros”. Ele diz (ao menos na dublagem brasileira): “A América sempre foi e sempre será o maior país da face da Terra!” Isso é bem cômico por ser trágico. Aos americanos, a sua estima é elevada e seu moral é posto nas nuvens por causa da insistência decrépita de alguns que ainda consideram que eles têm um papel fundamental no planeta acima de outros. Aos “outros”, a frase suscita ira e rejeição a um país, sim, grandioso e de imensas conquistas políticas, democráticas, educacionais, tecnológicas e sociais, mas que tem contra si décadas de ingerência negativa e equivocada no plano internacional que lhe renderam o título de “imperialista”.

Mais uma vez declaro que não tenho ideia do quanto o diretor José Padilha possuiu de influência no roteiro e nas frases do filme e tampouco do tamanho de sua consciência política e social, mas para alguém que conseguiu, em solo americano, rodar um trabalho que custou à MGM e à Columbia cerca de U$ 100.000.000,00 (cem milhões de dólares), seu sucesso vai além de um remake (palavra inglesa para refilmagem), nos dá a oportunidade de refletir o sistema capitalista, político e midiático um pouco mais e saber que, este tipo de futuro profetizado, pode se tornar bem real da maneira como as coisas caminham por aqui.


Carlos Carvalho
18 de março de 2014

Referências:

BOBBIO, NOBERTO, 1909-. Dicionário de política I Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino; trad. Carmen C, Varriale et ai.; coord. trad. João Ferreira; rev.geral João Ferreira e Luis Guerreiro Pinto Cacais. - Brasília : Editora Universidade de Brasília, 1998. Vol. 1. p. 954ss.(PDF)

LIPOVETSKY, Gilles, 1944-. A felicidade paradoxal: ensaio sobre a sociedade de hiperconsumo / Gilles Lipovetsky; tradução Maria Lucia Machado. – São Paulo: Companhia das Letras, 2007. Cap. 5, p. 98ss. (PDF)

RIZZOTTO, Carla Candida. Constituição histórica do poder na mídia no Brasil: o surgimento do quarto poder. Rev. Estud. Comun., Curitiba, v. 13, n. 31, p. 111-120, maio/ago. 2012. (PDF)

ROBOCOP 2014. Direção de José Padilha, produção de Marc Abraham e Eric Newman, Roteiro de Joshua Zetumer. Ação, ficção científica e suspense. Música de Pedro Bromfman. Distribuição: Metro-Goldwyn-Mayer / Columbia Pictures

Imagem: http://www.fandango.com/robocop2014_153658/movietimes.