Sofrimento
Burocrático
A
via crucis para retirar um veículo do
pátio da CIRETRAN
Manhã
de segunda-feira, dia 24 de junho. Dobro a esquina da rua onde moro para levar
minha filha menor ao trabalho como de costume. Após alguns metros de trânsito
infernal, desvio de um ônibus para que ele não colidisse com meu carro. De frente
a este fato, vem na outra mão, uma viatura policial e pede para que encoste,
pois eu “estava dirigindo na contramão”.
Após
a averiguação dos meus documentos, um dos policiais me informa que meu veículo
deverá ser guinchado ao pátio, pois não consta em seu sistema o pagamento do
licenciamento do ano. De fato, por causa da problemática da Controlar e da
Prefeitura de São Paulo no início do ano acerca da taxa da inspeção veicular,
eu não me ative ao retorno do pagamento e perdi a data da inspeção, gerando o
não recebimento do documento e a falta do registro no sistema, mesmo que eu já
havia pago os IPVA’s e todas as demais taxas, mas sem o Controlar, nada feito.
Mostrei
os documentos de pagamento, mas fui infeliz porque o policial não sabia se eu tinha
pagado ou não os valores. Seu companheiro chamou o guincho e retirei todos os
pertences do veículo e aguardei o resultado. A forma como um dos policiais me
abordou e “conversou” comigo foi impressionante. Com o baixo nível de formação
que eles têm (claro, não todos), muitos desses policiais não sabem a diferença
entre uma infração de trânsito e um delito. Para muitos deles as duas coisas
são iguais.
Carro
levado retorno a pé para minha casa (ainda bem que estava a alguns metros
apenas) e esperei uma melhor hora para resolver o problema que tinha nas mãos. Dirijo-me
ao Poupa Tempo de Guarulhos, no bairro Macedo. Ali inicia-se a jornada. Primeiro
é necessário passar pelo balcão “Licenciamento” e lá receber as informações dos
débitos e dos passos necessários para a retirada do veículo. De cara, a moça
que me atende não pode realizar o meu pagamento, pois não recebe em dinheiro e
no débito tem um limite para o valor a pagar.
Ela
não sabe me informar o que fazer e tem a ideia de me dizer que eu, como algumas
pessoas, pagasse em partes, uma aqui e outra ali. Saio e vou ao banco que tenho
conta (que não é o que há lá no Poupa Tempo) e faço os pagamentos via caixa
eletrônico. Retorno para a mesma fila e a mesma moça confere os documentos e me
envia para o lado no mesmo balcão onde há uma placa que informa: “Triagem...”.
Conferido novamente os documentos e as cópias exigidas está tudo certo e recebo
uma senha para uma das mesas de atendimento que fica a alguns metros do balcão.
Rapidamente
sou chamado e mais uma vez outra pessoa confere os documentos e percebe que há
uma via bancária que foi emitida no caixa eletrônico e ela me diz que precisa
de uma cópia dela. Argumentei-lhe que a pessoa anterior viu os mesmos papéis e
não me disse nada, mas que ela poderia ficar com a via, pois era uma cópia que
foi gerada pelo próprio caixa, mas me disse que eu teria que tirar uma cópia. Ela
não estava aceitando que a via do pagamento das taxas não estivesse em uma
folha de sulfite em cópia.
Após
isso me disse que pelo fato de eu não apresentar o documento de compra e venda
do veículo (não o encontrei de forma alguma, não sei se foi o nervosismo ou a
raiva), eu deveria ir ao cartório e reconhecer firma de minha assinatura em um
papel que me deu declarando que havia perdido o CRV. Dirigi-me ao cartório onde
tenho firma aberta no mesmo instante para não perder tempo e não ter que
retornar a minha casa e procurar mais detidamente o documento, pois queria
tentar retirar o carro no mesmo dia.
No
1º- Cartório de Notas entrei na fila, e na minha vez, uma moça me perguntou se
o reconhecimento da firma era com autenticação ou comum, pois os documentos
para o DETRAN geralmente eram com reconhecimento por autenticação. Para não ter
problemas fui à fila da autenticação. Mas me ocorreu um pensamento: se o
cartório reconhece sua assinatura em um documento porque ele tem seus dados e
sua assinatura escaneada em seu sistema, como um reconhecimento pode ser mais
autenticado que este? Olhei os valores e entendi. Firma reconhecida: R$ 4,50. Por
Autenticação: R$ 11,50. São R$ 7,00 a mais.
Na
fila da autenticação há uma placa que informa: “Reconhecimento de Firma por
Autenticação (para transferência de veículo)”. Minha reação foi perguntar à
moça que lá estava que o meu documento era simples e não estava tentando
transferir o carro, mas retirá-lo do pátio. Resposta? A mesma da moça anterior:
“Geralmente para o DETRAN, os documentos vão com assinatura por autenticação”. Parecia
uma daquelas programações de vozes das empresas telefônicas.
Paguei
os R$ 11,50, mas descobri o que é a autenticação: você assina num livro e põe
nele seu RG. Tudo isso por apenas R$ 7,00 a mais. Retorno andando o mais rápido
que posso para o Poupa Tempo e de posse total do solicitado passo pelos dois
balcões de novo para pegar mais uma senha. Na mesa da mesma senhorita, pensando
que poderia retirar o veículo no mesmo dia, para a minha surpresa, não poderia
mesmo que quisesse, pois segundo ela os documentos precisariam chegar antes das
onze da manhã para que o ofício que só sai após às quatorze horas fosse
liberado para mim.
Meu
carro era obrigado a ficar no pátio até o outro dia. Na terça-feira, dia 25,
vou ao Poupa Tempo às nove horas e entrego os documentos de novo, mas não sem
antes passar pelos dois balcões para pegar a senha. Conferido todos os papéis,
a senhorita me informa o horário da retirada e me lembra que preciso levar
também, além das cópias exigidas, o depósito bancário dos valores do pátio. Ligo
para o local onde está meu veículo que fica a menos de 1.200 metros de minha
casa em uma rua paralela. Falo com uma moça e ela me informa os valores.
São
R$ 285,00 pelo guincho e R$ 90,00 pelos dois dias do pátio. Estranhei os
valores e lhe perguntei o porquê disso. Meu carro não estava lá nem por 24
horas e o guincho só teve o trabalho de descer a ladeira e fazer uma curva à
direita. Informou-me que esta era o valor do guincho e que o pátio conta “dias
corridos”. Definição de “dias corridos”? Data. Mesmo se um veículo chagar ao
pátio 10 minutos para a meia-noite, ele terá ficado no pátio por dois “dias
corridos”. Até as definições mudam. Mas não parou por aí.
Os
valores deveriam ser depositados na “boca do caixa”, pois não seria aceito depósito
eletrônico e nem transferências. Disse-lhe que por transferência seria ideal
para que não pegasse fila em banco, mas contra-argumentou dizendo que não
possuía acesso à conta e não poderia averiguar a transferência. Ela ao que
parece não sabia que, para um banco emitir uma guia de transferência, o dinheiro
de fato saiu de sua conta e está imediatamente na conta do destinatário. Fui à
fila do banco.
Perto
das 14 horas, me dirigi ao setor da retirada do ofício e me deram o papel. Nele
havia a declaração que só poderia ser retirado por guincho depois de apresentar
todas as exigências para tanto. Assinado pelo diretor do 146º- CIRETRAN de
Guarulhos, um documento que declara que preciso apresentar novamente os mesmos
documentos que já havia apresentado e deixado cópia de todos para o processo de
liberação e o pior, com uma ressalva final dizendo que todos os “documentos em
anexo eram de minha total responsabilidade”. Além dos erros de português no
ofício, tive que aceitar isso assim mesmo.
Vou
para o pátio, contrato um guincho particular, entrego os documentos, faço
perguntas técnicas e não me dão respostas satisfatórias, como por exemplo: “Se
devo levar o veículo ao Controlar (que paguei ao invés de uma, duas taxas, uma
para a Prefeitura de Sã Paulo e outra para a Controlar), como farei se não me
deram o documento de licenciamento ou uma autorização para me locomover apenas
para esse fim na data marcada?” “Leve no guincho ou se arrisque”, foi a
resposta. E ainda: “Hoje está chovendo e os caras não estão na rua, então...”.
Pus meu carro no guincho.
Para
levar meu veículo até a minha casa do pátio que ficava a menos de 1.200 metros
(a mesma distância que foi levado para lá), o guincho particular custou R$
90,00. Quase R$ 200,00 a menos que o terceirizado da CIRETRAN de Guarulhos. 31
horas depois que meu carro foi guinchado e por possuir no dia os recursos para
realizar o feito, levei-o até minha residência. Um misto de frustração e raiva ainda
estava em mim ao final do dia.
Sempre
reclamei que nosso sistema é burro e a burocracia uma afronta ao brasileiro,
mas descobri a verdade que acho que alguns já haviam descoberto: nosso sistema
burocrático não é burro, é esperto, é inteligente. É uma eficiente máquina
altamente lucrativa para os cofres públicos. Por isso não há movimentos para
mudar esse sistema. É rentável. Cada taxa, cada cópia, cada imposto, cada valor
relacionado os papéis municipais, estaduais e federais são fontes de extrema
riqueza extraída do povo.
Policias
militares sem formação, mal treinados, que não sabem fazer distinção entre
crime e infração, burocracia exagerada e sem conexão com outros setores,
sistema criado para exaurir nosso dinheiro além do que já fazem as
multinacionais, incentivos fiscais às indústrias automotivas justamente para
criar esse ser monstruoso sugador de impostos sobre os veículos, um caos
conscientemente criado para atravancar a vida das pessoas enquanto o sistema e os
políticos corruptos “queimam” nossos dinheiro a seu bel prazer, este é um
sistema eficaz para o poder.
Encerro
dizendo que não estava em meus plenos direitos por não possuir a devida
documentação do veículo e não estou me justificando por ter sido flagrado em
uma situação que poderia ter sido evitada talvez por mais atenção. Mas da mesma
forma os fatos não se alteram acerca do sistema e da burocracia. Com flagrante
ou apenas para regularizar o seu carro, você encontrará semelhantes taxas e
semelhante atendimento. Em uma situação de trânsito ou não, a polícia ainda
continua na mesma inadequação. Como sempre diz o meu sogro, Tino: “O sistema é
bruto, cabra véi!”
Carlos
Carvalho
Junho
de 2013