ESTUDO DE CASO quase fictício
Imagine um caso:
Uma criança que nasceu em situação de grande pobreza, cujos
pais não puderam lhe prover coisas boas, nem com roupas, sapatos, festinhas de
aniversário, brinquedos ou aparelhos eletrônicos. Ela cresce em meio a um mundo
consumista, que faz propaganda insana de seus produtos e promete uma vida
excelente. Esta criança fica exposta a isso todos os dias durante seu
desenvolvimento.
Vai à escola e diariamente vê alguns de seus amigos e
colegas desfrutarem de muitas das coisas que ela gostaria de ter, mas seus pais
não prosperaram a ponto de lhe oferecer. Cresce sabendo que, com todos os
esforços possíveis, seus pais lhe amam e desejam um dia que ela também desfrute
do que há de “bom” nas coisas deste mundo, porém, sem sucesso. Chega a fase da
adolescência, ela entende as dificuldades de sua família, mas tem fortes
desejos de ser “igual” aos outros.
Numa oportunidade excepcional, se vê diante de um celular
bonito, chamativo e com aplicativos maravilhosos. É tudo que ela quer naquele
momento. Olha para os lados, percebe a possibilidade de não ser pega em
flagrante, e, num relance inimaginável até ali, furta o aparelho. O esconde por
um tempo, não vendo mais o perigo passa a usá-lo, mente aos pais que foi um
presente de alguém que gosta dela e a vida segue. Cometeu o crime de furto,
motivado pelo anseio de possuir e de ser “igual” a todo mundo. Um dia as
consequências virão, mas por enquanto...
Na mesma rua, outra criança, basicamente com a mesma
história, nasce e cresce no mesmo ambiente e com os mesmos anseios. Na escola,
já na adolescência, por conta de amizades complicadas, é impulsionada a roubar
um celular de uma jovem. A adrenalina do momento, a forte excitação provocada
pelo ato, e a posterior sensação de impunibilidade, mesmo sem saber ao certo o
que todas essas emoções lhe dizem, a fazem sentir-se poderosa.
Os dias passam, as amizades complicadas se avolumam, decide
deixar a escola, pois o ambiente de estudos e disciplina já não a atraem e as
pessoas ali, não apoiam sua nova jornada de vida. Compra ou empresta uma arma,
passa a realizar roubos quase diários, sendo capturada pela polícia, passando
por Instituições de correção de menor várias vezes durante a adolescência e
início da fase adulta. O poder de usar uma arma e de coagir alguém a lhe dar o
que quer por força e violência torna-se uma droga viciante que ativa
diariamente sua mente.
Escolheu o crime. Decidiu pela vida de bandido. Escolheu
novos amigos que, no máximo, morrerão juntos de maneira violenta. Passou a gostar
da emoção e adrenalina do perigo e da vida de fora da lei. Nunca mais estudará;
não mais lerá um livro sequer; não desfrutará da vida em sociedade e com bons
amigos; não viajará em férias com amigos ou família; verá o mundo na ótica da
criminalidade, do funk e da noite. Tornou-se um ser da escuridão e do submundo.
Alguém que vive com medo e apenas aprendeu a impor medo nos outros. Um pobre
bandido, que passa a figurar como número e índice de pesquisas sobre a
violência urbana.
Porque escrevi isso? Para fazer somente algumas perguntas a
você e à sua consciência de alguém que é coerente e que sabe observar o mundo
ao seu redor: QUAL DOS DOIS TIPOS DE PESSOAS você considera que é o mais comum
hoje? O primeiro ou o segundo? Qual dos dois tipos você acredita realmente que
superlotam as nossas cadeias e presídios? Como resolver essas situações sem
atingir o cerne da questão? Como alcançar uma sociedade mais justa quando
apenas abordamos os casos superficialmente? Existem passos a serem dados? Quais
são eles?
O primeiro é de fato saber e conhecer o problema e sua
causa, para depois pensarmos na aplicação de soluções concretas que atendam aos
reais problemas que acontecem na sociedade como um todo. Falar genericamente
sobre eles, apresentar números e índices, desconsiderar todos os dados ou criar
apenas alardes e gritaria, não trarão os benefícios que todos almejamos. Um
passo de cada vez. Porém, os primeiros, precisam ser profundos.
Carlos Carvalho
22 de novembro de 2019