A Ideologia no Livro Didático
Se a ideologia serve como instrumento de dominação e as idéias dos
dominantes passam a ser as idéias de todas as classes sociais por causa do
próprio processo ideológico, não seria de estranhar que na educação das massas,
o livro didático fosse recheado de uma ideologia que não apenas discrimina o
trabalho manual e valoriza o trabalho intelectual, mas também, esse espaço (o
livro didático) discriminará todas as coisas e representações que não se
ajustam ao pensamento construtor de sua ideologia.
Li um pequeno fragmento do livro "Ideologia no livro didático", de Ana Lúcia G. de Faria e algumas frases saltam à atenção nele e descrevo-as para nossa
consideração. Por exemplo, “para o livro didático o trabalho intelectual é mais
moderno” (p.66), “a divisão do trabalho no livro didático é uma questão de
forma” (p.66), e “existe uma relação entre campo e cidade para o livro
didático” (p.68). Esta última é sempre uma relação diferenciada no aspecto que
no campo o trabalho é menos valorizado e atrasado, ao passo que na cidade o
trabalho é melhor e mais “profissional”.
Se pensarmos na maneira como a população de um modo geral em nossos dias
vê e define o trabalho do campo e o da cidade, podemos perceber o quanto a
influência desta ideologia foi eficiente ao longo dos anos. Qualquer estudante
em curso de formação básica e fundamental que tenha acesso ao livro didático
que aborda o assunto, fatalmente terá uma idéia no mínimo distorcida do
trabalho produtivo que é realizado em ambos os ambientes.
A lógica do capital tanto corporativo como especulativo necessita desta
ideologia para criar não somente suas raízes na sociedade em que foi implantado,
como para reproduzir seu próprio sistema de dominação sobre a maioria que
controla. O controle é a chave para a dominação e a dominação se dá pela
ideologia, assim o ciclo vicioso do domínio/capital/ideologia sobre o
dominado/subalterno/atrasado se perpetua.
Certamente nada mais efetivo para um sistema ideológico de dominação que
atuar nas bases da sociedade que procura controlar. Portanto, o instrumento
mais seguro de consolidar seu domínio é exatamente no início da formação do
indivíduo, na escola. Lá todos são iniciados no pensamento coletivo, por lá
todos compulsoriamente passam, e é então por lá, a melhor e mais incisiva
investida para manter a ideologia da dominação.
Se o trabalho no campo não é o desejado pela maioria das pessoas que
agora habitam ou migraram para as cidades e metrópoles em busca de uma “vida
melhor”, é óbvio que a profissionalização, a educação voltada para as demandas
do sistema de capital, a ênfase e propaganda da temática do trabalho “superior”
será a coisa principal no interior do sistema educacional.
O livro didático, neste caso, cumprirá seu papel “natural” no sistema,
pois não poderá enfatizar ou enaltecer um tipo de trabalho que não serve ao
modelo de capitalismo dominante nessa sociedade específica. Mas ainda
poderíamos estender a discussão para outro âmbito educacional, o nível
superior. Uma pergunta também pode ser feita: a faculdade ou a universidade não
estão reproduzindo o mesmo sistema ou pensamento ideológico?
Quando se faz propaganda que a maioria dos alunos que cursam esta ou
aquela universidade já saem de lá com emprego garantido ou com alto índice de
sucesso corporativo ou profissional não se perpetua o domínio do sistema do
capitalismo que gera por sua vez toda a problemática discutida? O livro
didático é o fator determinante da discriminação da divisão do trabalho e da
manipulação da informação sobre o problema ou é apenas o subproduto ou a
reprodução do próprio sistema que vivemos?
Com a palavra os especialistas.
Referência:
Ideologia no livro didático, de Ana Lúcia G. de Faria, Editora Cortez.