26 de jun. de 2013

Sofrimento Burocrático
A via crucis para retirar um veículo do pátio da CIRETRAN

Manhã de segunda-feira, dia 24 de junho. Dobro a esquina da rua onde moro para levar minha filha menor ao trabalho como de costume. Após alguns metros de trânsito infernal, desvio de um ônibus para que ele não colidisse com meu carro. De frente a este fato, vem na outra mão, uma viatura policial e pede para que encoste, pois eu “estava dirigindo na contramão”.

Após a averiguação dos meus documentos, um dos policiais me informa que meu veículo deverá ser guinchado ao pátio, pois não consta em seu sistema o pagamento do licenciamento do ano. De fato, por causa da problemática da Controlar e da Prefeitura de São Paulo no início do ano acerca da taxa da inspeção veicular, eu não me ative ao retorno do pagamento e perdi a data da inspeção, gerando o não recebimento do documento e a falta do registro no sistema, mesmo que eu já havia pago os IPVA’s e todas as demais taxas, mas sem o Controlar, nada feito.

Mostrei os documentos de pagamento, mas fui infeliz porque o policial não sabia se eu tinha pagado ou não os valores. Seu companheiro chamou o guincho e retirei todos os pertences do veículo e aguardei o resultado. A forma como um dos policiais me abordou e “conversou” comigo foi impressionante. Com o baixo nível de formação que eles têm (claro, não todos), muitos desses policiais não sabem a diferença entre uma infração de trânsito e um delito. Para muitos deles as duas coisas são iguais.

Carro levado retorno a pé para minha casa (ainda bem que estava a alguns metros apenas) e esperei uma melhor hora para resolver o problema que tinha nas mãos. Dirijo-me ao Poupa Tempo de Guarulhos, no bairro Macedo. Ali inicia-se a jornada. Primeiro é necessário passar pelo balcão “Licenciamento” e lá receber as informações dos débitos e dos passos necessários para a retirada do veículo. De cara, a moça que me atende não pode realizar o meu pagamento, pois não recebe em dinheiro e no débito tem um limite para o valor a pagar.

Ela não sabe me informar o que fazer e tem a ideia de me dizer que eu, como algumas pessoas, pagasse em partes, uma aqui e outra ali. Saio e vou ao banco que tenho conta (que não é o que há lá no Poupa Tempo) e faço os pagamentos via caixa eletrônico. Retorno para a mesma fila e a mesma moça confere os documentos e me envia para o lado no mesmo balcão onde há uma placa que informa: “Triagem...”. Conferido novamente os documentos e as cópias exigidas está tudo certo e recebo uma senha para uma das mesas de atendimento que fica a alguns metros do balcão.

Rapidamente sou chamado e mais uma vez outra pessoa confere os documentos e percebe que há uma via bancária que foi emitida no caixa eletrônico e ela me diz que precisa de uma cópia dela. Argumentei-lhe que a pessoa anterior viu os mesmos papéis e não me disse nada, mas que ela poderia ficar com a via, pois era uma cópia que foi gerada pelo próprio caixa, mas me disse que eu teria que tirar uma cópia. Ela não estava aceitando que a via do pagamento das taxas não estivesse em uma folha de sulfite em cópia.

Após isso me disse que pelo fato de eu não apresentar o documento de compra e venda do veículo (não o encontrei de forma alguma, não sei se foi o nervosismo ou a raiva), eu deveria ir ao cartório e reconhecer firma de minha assinatura em um papel que me deu declarando que havia perdido o CRV. Dirigi-me ao cartório onde tenho firma aberta no mesmo instante para não perder tempo e não ter que retornar a minha casa e procurar mais detidamente o documento, pois queria tentar retirar o carro no mesmo dia.

No 1º- Cartório de Notas entrei na fila, e na minha vez, uma moça me perguntou se o reconhecimento da firma era com autenticação ou comum, pois os documentos para o DETRAN geralmente eram com reconhecimento por autenticação. Para não ter problemas fui à fila da autenticação. Mas me ocorreu um pensamento: se o cartório reconhece sua assinatura em um documento porque ele tem seus dados e sua assinatura escaneada em seu sistema, como um reconhecimento pode ser mais autenticado que este? Olhei os valores e entendi. Firma reconhecida: R$ 4,50. Por Autenticação: R$ 11,50. São R$ 7,00 a mais.

Na fila da autenticação há uma placa que informa: “Reconhecimento de Firma por Autenticação (para transferência de veículo)”. Minha reação foi perguntar à moça que lá estava que o meu documento era simples e não estava tentando transferir o carro, mas retirá-lo do pátio. Resposta? A mesma da moça anterior: “Geralmente para o DETRAN, os documentos vão com assinatura por autenticação”. Parecia uma daquelas programações de vozes das empresas telefônicas.

Paguei os R$ 11,50, mas descobri o que é a autenticação: você assina num livro e põe nele seu RG. Tudo isso por apenas R$ 7,00 a mais. Retorno andando o mais rápido que posso para o Poupa Tempo e de posse total do solicitado passo pelos dois balcões de novo para pegar mais uma senha. Na mesa da mesma senhorita, pensando que poderia retirar o veículo no mesmo dia, para a minha surpresa, não poderia mesmo que quisesse, pois segundo ela os documentos precisariam chegar antes das onze da manhã para que o ofício que só sai após às quatorze horas fosse liberado para mim.

Meu carro era obrigado a ficar no pátio até o outro dia. Na terça-feira, dia 25, vou ao Poupa Tempo às nove horas e entrego os documentos de novo, mas não sem antes passar pelos dois balcões para pegar a senha. Conferido todos os papéis, a senhorita me informa o horário da retirada e me lembra que preciso levar também, além das cópias exigidas, o depósito bancário dos valores do pátio. Ligo para o local onde está meu veículo que fica a menos de 1.200 metros de minha casa em uma rua paralela. Falo com uma moça e ela me informa os valores.

São R$ 285,00 pelo guincho e R$ 90,00 pelos dois dias do pátio. Estranhei os valores e lhe perguntei o porquê disso. Meu carro não estava lá nem por 24 horas e o guincho só teve o trabalho de descer a ladeira e fazer uma curva à direita. Informou-me que esta era o valor do guincho e que o pátio conta “dias corridos”. Definição de “dias corridos”? Data. Mesmo se um veículo chagar ao pátio 10 minutos para a meia-noite, ele terá ficado no pátio por dois “dias corridos”. Até as definições mudam. Mas não parou por aí.

Os valores deveriam ser depositados na “boca do caixa”, pois não seria aceito depósito eletrônico e nem transferências. Disse-lhe que por transferência seria ideal para que não pegasse fila em banco, mas contra-argumentou dizendo que não possuía acesso à conta e não poderia averiguar a transferência. Ela ao que parece não sabia que, para um banco emitir uma guia de transferência, o dinheiro de fato saiu de sua conta e está imediatamente na conta do destinatário. Fui à fila do banco.

Perto das 14 horas, me dirigi ao setor da retirada do ofício e me deram o papel. Nele havia a declaração que só poderia ser retirado por guincho depois de apresentar todas as exigências para tanto. Assinado pelo diretor do 146º- CIRETRAN de Guarulhos, um documento que declara que preciso apresentar novamente os mesmos documentos que já havia apresentado e deixado cópia de todos para o processo de liberação e o pior, com uma ressalva final dizendo que todos os “documentos em anexo eram de minha total responsabilidade”. Além dos erros de português no ofício, tive que aceitar isso assim mesmo.

Vou para o pátio, contrato um guincho particular, entrego os documentos, faço perguntas técnicas e não me dão respostas satisfatórias, como por exemplo: “Se devo levar o veículo ao Controlar (que paguei ao invés de uma, duas taxas, uma para a Prefeitura de Sã Paulo e outra para a Controlar), como farei se não me deram o documento de licenciamento ou uma autorização para me locomover apenas para esse fim na data marcada?” “Leve no guincho ou se arrisque”, foi a resposta. E ainda: “Hoje está chovendo e os caras não estão na rua, então...”. Pus meu carro no guincho.

Para levar meu veículo até a minha casa do pátio que ficava a menos de 1.200 metros (a mesma distância que foi levado para lá), o guincho particular custou R$ 90,00. Quase R$ 200,00 a menos que o terceirizado da CIRETRAN de Guarulhos. 31 horas depois que meu carro foi guinchado e por possuir no dia os recursos para realizar o feito, levei-o até minha residência. Um misto de frustração e raiva ainda estava em mim ao final do dia.

Sempre reclamei que nosso sistema é burro e a burocracia uma afronta ao brasileiro, mas descobri a verdade que acho que alguns já haviam descoberto: nosso sistema burocrático não é burro, é esperto, é inteligente. É uma eficiente máquina altamente lucrativa para os cofres públicos. Por isso não há movimentos para mudar esse sistema. É rentável. Cada taxa, cada cópia, cada imposto, cada valor relacionado os papéis municipais, estaduais e federais são fontes de extrema riqueza extraída do povo.

Policias militares sem formação, mal treinados, que não sabem fazer distinção entre crime e infração, burocracia exagerada e sem conexão com outros setores, sistema criado para exaurir nosso dinheiro além do que já fazem as multinacionais, incentivos fiscais às indústrias automotivas justamente para criar esse ser monstruoso sugador de impostos sobre os veículos, um caos conscientemente criado para atravancar a vida das pessoas enquanto o sistema e os políticos corruptos “queimam” nossos dinheiro a seu bel prazer, este é um sistema eficaz para o poder.

Encerro dizendo que não estava em meus plenos direitos por não possuir a devida documentação do veículo e não estou me justificando por ter sido flagrado em uma situação que poderia ter sido evitada talvez por mais atenção. Mas da mesma forma os fatos não se alteram acerca do sistema e da burocracia. Com flagrante ou apenas para regularizar o seu carro, você encontrará semelhantes taxas e semelhante atendimento. Em uma situação de trânsito ou não, a polícia ainda continua na mesma inadequação. Como sempre diz o meu sogro, Tino: “O sistema é bruto, cabra véi!”

Carlos Carvalho

Junho de 2013

Nenhum comentário:

Postar um comentário